Dizem que nascemos naturalmente com apenas dois tipos de medo: medo de altura e do desconhecido, os outros medos são impostos a nós pelo pais e outras pessoas com o decorrer do tempo, através de ameaças, histórias e também quando presenciamos algum fato que seja fora do normal.
O maior medo, quase doentio, que me acompanhou na infância foi de cobras, de qualquer tamanho e espécie, devido aos vários casos de acidente com as mesmas e ao grande numero existente no lugar onde morávamos, a presença de cobras nas lavouras e mesmo nos arredores da casa era constante. Na verdade tivemos muita sorte por nunca sofrermos a picada de nenhuma delas, pois vivíamos no meio dos matos e principalmente devido ao fato de andarmos sempre de pé no chão, isto é, sem calçados.
Conhecíamos pessoas que devido à picada de cobra e principalmente pela falta de socorro imediato haviam perdido membros inferiores, e a visão destas pessoas aleijadas contribuíam para aumentar o pavor que eu tinha pelas cobras, vale dizer que não sabíamos distinguir as peçonhentas das não venenosas, para nós eram todas iguais e deveriam ser mortas, ou elas ou nós, e não víamos nada que justificasse a existência destes animais no mundo que personificavam o mal, responsável pela expulsão do homem do paraíso.
Normalmente as cobras vivem em buracos na terra ou furnas em meio das pedras, mas lembro de uma espécie, não sei definir qual, que fazia seus ninhos sobre arbustos em cima da água de um rio que passava perto de nossa casa, muito interessante estes ninhos sinuosos que acompanhavam o formato do corpo das próprias cobras que ali permaneciam por muito tempo, principalmente nas horas que o sol estava mais quente. Até hoje não sei dizer de que espécie eram estas cobras e também nunca mais vi ninhos daquela forma.
Lembro de que uma certa ocasião, ao voltarmos para casa, depois da aula eu e outro irmão matamos uma cobra que estava atravessando a estrada e ele, com ajuda de um galho, estava levando esta cobra para ser mostrada aos outros da casa e sabendo do meu medo aproximou a cobra de mim, num gesto instintivo joguei a sacola que levávamos os cadernos em sua direção indo atingir seu rosto fazendo um pequeno ferimento, pelo qual acabei levando alguns tapas de minha mãe, pois nunca deveríamos tirar sangue de um irmão, um dos maiores pecados do mundo.
Confesso que até nos dias de hoje cultivo certo receio com relação às cobras, embora consiga diferenciar as várias espécies e saber de seu papel dentro do meio ambiente em que vivem.